Saturday, September 02, 2006

Meu Dragão


© Nathan de Castro


Para relembrar paixões, abro a janela, o vento
traz torrões de terra e o pó
da estrada aos luares, onde danço na corda bamba
a solidão de um nó.
Algures desatadas, as minhas letras
fincam marcas de poeira, e só
nos sonhos e visões encontro o verso amigo,
para espantar o meu algoz.
De vítima eu me transformo em pincel-carrasco,
e um rio de poesia atroz
abala os meus pilares com canções de entulhos,
que deságuam em sua foz.
O meu dragão acorda e grita: —
A solidão é poluente de escrever poemas,
nada mais.

Para esquecer paixões, abro a janela,
apago a luz e a Estrela se desfaz
em rimas de quimeras e explosões de luas,
que presumem vida e paz.
Algures assustadas, as minhas letras
sangram versos na ilusão que traz
assoreadas veias, margens de afluente,
areia, terra, céu e mar.
Na loucura eu me disfarço em pincel-palhaço
e o meu disfarce é o verbo amar,
que invade os picadeiros com canções de lagos
que refletem o luar.
O meu dragão, calado, chora a solidão
desses luares de escrever poemas,
nada mais.

Por certo, a solidão tem cor,
e o dia aceita o brilho dos olhos do sol
nas folhas orvalhadas por lembranças
de verdes cantigas de arrebol.
Algures disfarçada, a poesia encanta-se
na voz de um rouxinol:
meu pássaro-dragão sem asas de palavras...
Minhas crenças pelo chão.
De pronto, abro a janela, a voz que escuto
não é a dela e a vasta escuridão
vem seduzir meus sonhos com canções
de madrugadas cheias de paixão.
O meu dragão acende a luz da Estrela: l
abaredas de escrever poemas,
nada mais.

Somente as tempestades podem me fazer feliz
nos veios das canções,
e pelas cachoeiras de poesia disfarço a dor
e abraço as emoções.
Algures resolutas, as minhas letras abrem valas
de enterrar paixões,
mas na terra o dragão navega na enxurrada
com seu barco de papel.
No barco, o meu poema vai buscar morada,
e da escotilha eu vejo o céu
a preparar palavras com canções de maré cheia
de esperança e fel.
O meu dragão, faminto, balanceia a minha
fé na areia de escrever poemas,
nada mais.

Nos palcos do soneto encontro a tempestade,
e a minha veia teatral
desfila com saudades de voar nas telas brancas
sem paixão e sal.
Algures satisfeitas, as minhas letras-ostras
fecham pérolas do mal,
e no mar o meu dragão festeja as labaredas
e disfarça a tal saudade.
Na solidão do cais, um barco de papel
surfa na onda que me invade,
como se fosse ele o dono das estrelas
de atracar felicidade.
O meu dragão navega e aporta caravelas-solidão
de escrever poemas,
nada mais.

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