Friday, November 17, 2006

Flores do Pó - © Lílian Maial /// Safra - © Nathan de Castro


SAFRA
© Nathan de Castro
Soluça o corpo magro, sente o frio,
e o prato de promessas não sustenta.
O peito analfabeto está vazio,
quer prato da farinha que alimenta
o filho.

A lágrima da fome apaga a vida
nos olhos da criança desnutrida
e a página da fome apaga o brilho
dos discursos jogados sobre os rios
de lama.

E a esperança de pão, velho projeto,
que assenta
famílias de sem terra e sem escolas,
se perdem nas entranhas de prospectos...

E esmolas
serão distribuídas no natal,
depois de anúncio em rede nacional
da nova safra recorde de milho,

de soja
de trigo
de leite
da fome
miséria
da dor

e o grito cresce preso na garganta,
revela um ano novo, sempre antigo,
e a música que toca o povo canta
co’a voz que cala e sempre busca abrigo
na sorte
ou
na morte.

FLORES DO PÓ

Lílian Maial
Vida apressada, angustiada,
absorta em pensamentos pequenos,
dor disfarçada em mau humor,
pouso os olhos no menino, ali, dormindo.
No meio da rua, entre carros, passantes,
cachorros e passarinhos destoantes,
mãozinhas sobre a cama papelão,
agarradinho, inocente, no corpo do irmão.
A mãe sofrida, sentada no chão sujo,
tentando esconder a vergonha e a fome.
À frente o pai, derrotado enquanto homem.
A dor oprimida no peito, o não conseguir engolir,
ver assim alguém tão só,
uma família – flores do pó.
Ah, a cruz! Preguem-me na cruz!
Quero morrer por eles, morrer por mim!
Inerte, covarde, torpe!
Nada a fazer, senão sofrer?
Não tem remédio, senão chorar?
Menino dormindo como o meu,
como os nossos,
sonhando sonhos de criança,
luzes e festa,
brinquedos e paz,
sorvete, banho, banheiro.
Alegria o ano inteiro.
Perdeu o endereço do céu,
Mas espera Papai Noel.
Aquele pai e aquela mãe,
sem teto ou dignidade,
não sabem, da missa, a metade!
Não choram, apenas pedem que a sorte mude
e os ventos tragam a esperança
e o sorriso do menino,
que dorme ali no chão, tranqüilo,
ao relento, desprotegido.
A leoa de dentes arrancados,
o guerreiro sem escudo, sem lança,
sem conseguir defender sua criança...
Olhar vazio, alma apagada,
sem ter mais nada.
Nada a oferecer, senão seu corpo.
Nada a pedir, senão o pão.
E eu, e você, o que fazemos?
Vamos embora, consciência confortada
afinal, nada podemos fazer,
não temos o poder!
Qual nada! Eu posso. Você pode.
Mas é difícil, é cômodo.
Você tem lar.
Eu tenho pão.
Eles é que não...

5 Comments:

Anonymous Anonymous said...

oi nathan,
vim aqui me deliciar com seus poemas.
quero vir mais vezes!

muito tocante este último!

parabéns!!!

beijos de luz.

viviane vaz

November 17, 2006 12:33 PM  
Anonymous Anonymous said...

OI NATHAN QUE LINDOOOOO ADOREI TODOS...NEM PRECISA COMENTARIOS TODOS MUITO TOCANTE.
QUE JESUS CONTINUA TE ILUMINANDO
BEIJOS

November 17, 2006 1:38 PM  
Blogger Marcelo de Freitas said...

amigo nathan, já vi esse filme.
maravilha de texto, me deu idéias para novas fogueiras.
vc inspira, meu caro, parabens.

November 17, 2006 5:05 PM  
Blogger Lucilaine de Fátima said...

Nathan,
Os dois poemas me emocionaram muito. Coisa pra se ler e não esquecer e nem guardar. Senti-me egoísta porque vim aqui logo após escrever no blog súplicas a Deus para mim mesma. Pensei chegar aqui e como sempre encontrar sonetos para viajar e sonhar aliviando a própria dor da existência e vejo quão pequena sou eu.
Parabéns pra você pra Lilian!
Beijo,
Lu

November 18, 2006 3:29 PM  
Anonymous Anonymous said...

Sugiro que este último poema seja enviado a algum jornal, (tipo coluna dos leitores) para acordar em nós, leitores, esse sentimento tão reprimido e ao mesmo tempo, tão comum a todos nós. Precisamos mesmo nos sacudir!! Parabéns, o blog tá show de bola, Gloria Abib

December 07, 2006 5:22 PM  

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