Monday, July 24, 2006

Preciso Quebrar o Silêncio


© Naldo Velho


Preciso quebrar o silêncio, libertar o verbo, faz tempo, aprisionado em mim, desentranhar sentimentos, materializar substantivos, enfatizar adjetivos,construir uma oração onde o tempo seja o eterno recomeçar.
Preciso quebrar correntes, revelar segredos, atirar pela janela todos os meus guardados, móveis, tapeçarias, utensílios, quadros, deixar a casa vazia, inclusive de espelhos... Preciso me reconstruir por inteiro.
Preciso telefonar, urgentemente, para aquele amigo que se fez ausente.
Preciso saber onde errei e se ainda há tempo, e se não errei: preciso saber aceitar seu silêncio.
Preciso abrir portas e janelas, deixar o vento varrer toda a casa, e que os pássaros invadam a sala, preciso alimentá-los, principalmente de amor.
Preciso me apaixonar outra vez, reler tuas cartas, escrever outras, dizer que te amo, e ainda quê, há tanto tempo, ao meu lado, te abraçar com ternura, tratar de ti com cuidado.
Preciso cuidar melhor do meu jardim, regar na medida certa, flores e folhagens, podar alguns galhos secos, retirar ervas daninhas, partes amareladas, apodrecidas.
Preciso do abraço amigo, dos olhos nos olhos sem máscaras,da palavra que exorcize o medo de falar daquilo que gosto, e ainda assim, deixar bem claro que respeito, quem prefira de um outro jeito e compreendo a vida que têm para viver.
Preciso caminhar por este mundo, respirar o ar que ainda posso, rever lugares, pessoas, cidades, varar madrugadas desertas, saborear frutas colhidas sem pressa, curtir o som das águas de um rio a lapidar pedras, margens caminhos, sentir o cheiro da chuva, das ervas escolhidas, remédios.
Preciso rever lua cheia e que não seja contaminada pelas luzes que vêm da cidade, e ao amanhecer forasteiro num lugar distante de tudo, entender que a vida podia ser diferente daquela que eu escolhi pra viver. Preciso acreditar que ainda existem muitas vidas a serem vividas e muitos outros lugares por onde eu possa me conhecer.
Preciso caminhar pela praia, sentir a areia entre os dedos, colher pedrinhas, conchinhas, reencontrar aquela sereia, mergulhar com ela nas águas, pedir a benção madrinha! Licença, pro teu filho, vim te visitar.
Preciso morrer daqui a algum tempo, e que seja uma morte sem dor. Que eu encerre como se fosse um poema, escrito por urgências de vida, por inquietudes estranhas, latentes, e eu fiz o melhor que pude! Fui um poeta, ainda que tardio, da linguagem da minha gente; pois sou caboclo, mestiço, cafuzo, visceralmente confuso, sem medidas métricas ou rimas,confessadamente insano pelo muito que semeei.
Preciso comer certas sementes, deixar que elas germinem e, no tempo certo, floresçam livremente lá dentro de mim.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Olá, Nathan! Vc acertou em cheio ao publicar esse belo poema do Naldo Velho, poeta e músico da melhor qualidade, amigo querido, pessoa boníssima.
Espero que, junto aos seus poemas, possa ler mais vezes o lirismo do Naldo.
beijos,
Lílian

July 24, 2006 2:33 PM  
Anonymous Anonymous said...

MUITO LINDA A SUA CRÔNICA "NALDO VELHO"! A VIDA NECESSTA DISSO PARA SE FAZER BELA E FELIZ!
ABRAÇOS,
KESIA

July 25, 2006 7:18 AM  
Blogger POEMAS GERAIS said...

Naldo, hoje eu te li e me emocionei. Lembrei um tempo em que pertencia ao grupo da Vania Diniz...eu te lia e adorava. O tempo passa, mas te reencontrar hoje me resgatou alguma coisa. Um tempo que a gente não perde porque passou, mas que guardamos na alma.

Meu beijo, como escreves bem, meu amigo!!!

Sonia Delsin

August 01, 2006 10:56 AM  

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